segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Seção Leitura - Parte II

Comunidade
Franz Kafka

Somos cinco amigos; uma vez saímos um atrás do outro de uma casa; primeiro veio um e pôs-se junto à entrada, depois veio, ou melhor dito, deslizou-se tão ligeiramente como se desliza uma bolinha de mercúrio, o segundo e se pôs não distante do primeiro, depois o terceiro, depois o quarto, depois o quinto. Finalmente, estávamos todos de pé, em uma linha. A gente fixou-se em nós e assinalando-nos, dizia: os cinco acabam de sair dessa casa. A partir dessa época vivemos juntos, e teríamos uma existência pacífica se um sexto não viesse sempre intrometer-se. Não nos faz nada, mas nos incomoda, o que já é bastante; porque se introduz por fôrça ali onde não é querido? Não o conhecemos e não queremos aceitá-lo. Nós cinco tampouco nos conhecíamos antes e, se quer, tampouco nos conhecemos agora, mas aquilo que entre nós cinco é possível e tolerado, não é nem possível nem tolerado com respeito
àquele sexto.

Além do mais somos cinco e não queremos ser convivência permanente, se entre nós cinco tampouco tem sentido, mas nós estamos já juntos e continuamos juntos, mas não queremos uma nova união, exatamente em razão de nossas experiências. Mas, como ensinar tudo isto ao sexto, pôsto que longas explicações implicariam já em uma aceitação de nosso círculo? É preferível não explicar nada e não o aceitar. Por muito que franza os lábios, afastamo-lo, empurrando-o com o cotovelo, mas por mais que o façamos, volta outra vez.

4 comentários:

  1. Excluindo os outros desse grupo! Cadê a inclusão social?

    ResponderExcluir
  2. Kafka fala muito de relações humanas. Da hipocrisia presente nas relações humanas. O que ele conta não é uma história perfeita, é uma história real, talvez seja esse o estranhamento.

    ResponderExcluir
  3. Ao ler isso, lembrei-me de "A metamorfose" do Kafka, talvez possa estar errada, mas senti que o Gregor( depois de ter se transformado em um inseto) poderia ser o sexto integrante do grupo que não poderia se encaixar(existir).

    ResponderExcluir
  4. legal sua leitura, sophia. a metáfora da metamorfose é mesmo parecida com o sentimento de repulsa que esse "sexto elemento" sofreu no grupo. a gente faz isso o tempo todo, e o motivo nem precisa ser tão "justificável" quanto conviver com um "inseto monstruoso" como gregor samsa...

    ResponderExcluir